quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

E se talvez

Uma tarde iniciada com vazio, a lembrança, a memória, a dor, a mágoa, tudo aos poucos sendo mexido naquela tarde. Assuntos que nunca foram ditos, segredos nunca revelados, e os rostos húmidos pelas lágrimas que rolavam de suas faces. Era preciso trazer de volta as lembranças que todos fingiram ter esquecido, mas, que sempre esteve presente em suas vidas.
Eu sei que sou assim, eu nao queria ser assim, mas, se sou assim, o que eu posso fazer? Ela sempre falava assim, talvez nunca tentou mudar. Será que seria menos doloroso?
Questionamentos, vontade de voltar no tempo, gritar, pedir socorro, não calar como sempre se calou, mas passou , e só ficaram as marcas de um tempo que não volta mais. Tempo que poderia ter sido melhor, se talvez ela estivesse presente, se talvez ela pudesse ter lido naquele rosto enfraquecido pelos traumas e medo, mas não, ela nunca o percebeu, pois queria o melhor pra ele! E se talvez, e se talvez.
Mas há alguém que de perdão resistente, embora sempre tenha tentado. As cicatrizes foram mais profundas e até hoje parecem sangrar. Ela sempre buscou algo a frente. Caia, levantava, machucava, mas essas feridas nao eram mais insuportáveis do que as que antes a marcara para sempre. O seu vestido branco da primeira comunhão cortado em mil pedaços, misturados com o cheiro do álcool.
Aquela tarde ficou marcada. Eles queriam abraça-la, mas não tinham coragem, a ja afirmavam que nada mais podiam fazer.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Uma visita sublime

A ausência das cores em suas vestimentas, a saudade em seu coração, e, todos os dias, lá está ela, preenchendo o vazio do que restou. É sempre assim, diariamente ela cuida dele, como o fez durante a presença do seu corpo ainda quente ao seu lado. O coração repleto de saudade, a memória dos dias de felicidade, do cheiro de suor do seu corpo, e agora apenas o cheiro de terra molhada, de flores arrancadas de suas raízes como ele próprio o foi. É assim, a perda da vida simplesmente nos cortam pelas raízes.

Tudo em seu devido tempo. As dores das mãos ainda inchadas pela osteoporose, as cãibras nas pernas. É manhã: ela se levanta, toma o seu pequeno almoço, já pensando como será o dia de trabalho, a praça estará cheia hoje, batatas, grelos, hortaliças, será tudo vendido, não sobrará nada. Com esses pensamentos, desce os dezoitos degraus de sua casa em direcção à praça. A aragem gelada em sua face descoberta, e ela caminha em passos rápidos. Bom dia, bom dia, bom dia, preciso correr, onde estão as chaves? Caraças!… E assim se passa mais um dia, o qual não pode ainda acabar, pois ele ainda a espera lá, para acender a lamparina, trocar as flores, ver se está tudo em ordem, até que suas raízes também sejam cortadas, como as de todos nós um dia serão.